Deu
no Blog do Professor Luciano Borges de Santana
Sede também
meus imitadores, irmãos, e tende cuidado, segundo o exemplo que tendes em nós,
pelos que assim andam. Porque muitos há, dos quais muitas vezes vos disse e
agora também digo, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é
a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles é para confusão deles
mesmos, que só pensam nas coisas terrenas. Mas a nossa cidade está nos céus,
donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o
nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu
eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas (Filipenses 3.17-20)
Recentemente
em um discurso em Salvador (BA), o católico e ex-presidente da República, Luís
Inácio Lula da Silva, em mais uma de suas infelizes declarações afirmou o seguinte:
Bobagem,
essa coisa que inventaram que os pobres vão ganhar o reino dos céus. Nós
queremos o reino agora, aqui na Terra. Para nós inventaram um slogan que tudo
tá no futuro. É mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um
rico ir para o céu. O rico já está no céu, aqui. Porque um cara que levanta de
manhã todo o dia, come do bom e do melhor, viaja para onde quer, janta do bom e
do melhor, passeia, esse já está no céu. Agora o coitado que levanta de manhã,
de sol a sol, no cabo de uma enxada, não tem uma maquininha para trabalhar, tem
que cavar cada covinha, colocar lá e pisar com pé, depois não tem água para
irrigar, quando ele colhe não tem preço. Esse vai pro inferno. Queremos que
todo mundo vá pro céu, agora. Queremos ir pro céu vivo. Não venha pedir para a
gente morrer para ir pro céu que a gente quer ficar aqui mesmo.
Lamentavelmente
o que no ex-presidente sobra de bravatas, falta uma boa leitura da Palavra de
Deus. O texto aparentemente interpretado por Lula se encontra em Lucas 18.25.
Mas, uma leitura atenta e mais acurada dessa passagem revela algo muito
diferente do que Lula afirmou. A conclusão de Jesus nesse texto foi movida pela
atitude do jovem rico, que nos versículos anteriores foi indagar o Mestre sobre
o que era necessário fazer para herdar a vida eterna (Lc. 18.18-23). O Senhor
descreveu uma série de mandamentos, todos baseados nos preceitos do Antigo
Testamento. O jovem, então, afirmou que tudo aquilo cumpria desde a sua
mocidade. Apesar do texto de Lucas não conter a expressão que se segue, o
evangelho de Marcos registra que "Jesus, olhando para ele, o amou"
(Mc. 10.21). Os momentos seguintes são conhecidos em todos os evangelhos
sinóticos. O jovem rejeita o convite de Jesus para vender tudo quanto tinha,
doá-los aos pobres e ter um tesouro no céu. Ou seja, o Senhor fez um
convite para um rico, dominado pelo legalismo de uma prática religiosa,
doar tudo quanto tinha para os pobres e adquirir um tesouro em seu reino. Foi
após a atitude do jovem rico que o Mestre afirmou que era muito difícil entrar
no reino de Deus, aquelas pessoas dominadas pelas riquezas. Não que um rico não
possa ser salvo ou que necessariamente todos os pobres são simpatizantes à
mensagem do evangelho, mas não é de admirar que aqueles dominados pelas posses
materiais tornam-se menos sensíveis à pregação da Palavra de Deus e ao convite
feito por Jesus.
Mas,
resolvida a má e descontextualizada interpretação bíblica do ex-presidente
ainda há um problema para ser resolvido. Anelar pelas promessas espirituais de
um mundo após a morte é algo inerentemente insano? Lutar pelo fim das
desigualdades sociais e da redução da pobreza é algo incompatível com a
esperança em um mundo vindouro? Analisando estruturalmente a Palavra de Deus,
tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento é possível argumentar que
não. Vejamos as razões.
Um dos
poemas mais conhecidos e declamados pelos brasileiros chama-se "A canção
do exílio" escrito em 1843 na Universidade de Coimbra, Portugal, por
Gonçalves Dias. O autor havia deixado o país cinco anos antes para estudar
Direito na Universidade da cidade e após a leitura da balada
"Mignon", de Wolfgang Goethe, ganhou inspiração suficiente para
escrever o texto que se segue.
"Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá."
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá."
Se
compararmos o texto bíblico destacado no início do artigo e o saudosismo da
poesia de Gonçalves Dias, torna-se muito mais fácil perceber que ao anelarem a
volta de Jesus e o estabelecimento do seu reino, os cristãos não são de forma
alguma pessoas alienadas ou conformadas com os sofrimentos da vida. Quando o
apóstolo Paulo escreveu a Carta aos Filipenses ele estava na prisão em Roma, e
apesar da idade e das circunstâncias adversas, a carta é uma mensagem de
alegria. "E vós também regozijai-vos e alegrai-vos comigo por isto
mesmo" (Fp. 2.18). "Regozijai-vos, sempre, no Senhor; outra vez digo:
regozijai-vos" (Fp. 4.4). A Carta aos Filipenses é uma profunda mensagem
de esperança e revela a preocupação de Paulo com a segurança doutrinária da
igreja e o destino eterno de todos os salvos. A palavra grega traduzida para pátria
ou cidade nas versões bíblicas é "politeuma", que significa
"comunidade", "cidadania" ou "comunidade governada por
leis". Ou seja, apesar de vivermos neste mundo e gozarmos de uma cidadania
secular, espiritualmente os salvos em Cristo são cidadãos de uma pátria
celestial, sendo portanto, muito natural e compreensível anelar por ela.
Há um
princípio parecido que orientou outros escritores do Novo Testamento. As
Escrituras consideram que os salvos são peregrinos, forasteiros (gr.
parapidêmos), ou seja uma "pessoa estranha", "que reside por
pouco tempo no estrangeiro". "Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos
eleitos que são forasteiros da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e
Bitínia" (I Pe. 1.1). "Amados, exorto-vos, como peregrinos e
forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra
contra a alma" (I Pe. 2.11). Apesar de politicamente aqueles santos serem
de fato estrangeiros em terra alheia, o apóstolo Pedro parte desse argumento
para mostrar que espiritualmente eles também eram peregrinos e forasteiros,
pessoas que temporariamente estavam de passagem neste mundo, mas cuja cidadania
pertencia a um outro país, um outro reino e uma outra esperança.
Curiosamente
esse princípio já era observado por algumas pessoas no Antigo Testamento,
homens e mulheres que olhavam para o futuro, mesmo recebendo promessas de Deus,
bênçãos e riquezas materiais. "Pela fé, Abraão, sendo chamado, obedeceu,
indo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para
onde ia. Pela fé, habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando
em cabanas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa. Porque
esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é
Deus" (Hb. 11.8-10). A palavra grega traduzida por habitou é
"paroikos" que designa "um estrangeiro que habita em um lugar
sem direitos de cidadão". Logo, mesmo recebendo a promessa de que seus
descendentes herdariam um território secular, Abraão olhava para uma cidade
futura, eterna e construída pelo próprio Deus. Tudo isso com um detalhe
interessante: diferentemente do pobres, ridicularizados frequentemente por
nutrirem esperanças por um reino futuro, Abraão era extremamente rico, assim
como seus descendentes diretos, Isaque e Jacó (Gn. 13.2; 26.12-14; 33.11).
Voltando ao
texto da Carta aos Filipenses, é interessante observar como o apóstolo Paulo se
incluía entre aqueles que esperam a volta do Salvador. A palavra traduzida por esperamos
ou aguardamos em Fp. 3.20 é "apexdechomai" que significa
"esperar assídua e pacientemente por algo. Paulo sabia em quem tinha
crido. Seu Senhor e Salvador Jesus Cristo nunca poderia mentir. Por isso já
prevendo que seria martirizado pelo evangelho ele afirmou o seguinte:
"Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo
da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira,
guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o
Senhor, justo juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também
a todos os que amarem a sua vinda" (II Tm. 4.6-8).
Portanto, diferentemente
do que o ex-presidente Lula afirmou em sua declaração, a crença em um reino
espiritual e futuro não é uma alienação e muito menos desobriga os salvos em
Cristo de lutarem por um mundo melhor, uma sociedade mais justa e por um uso
socialmente responsável do planeta em que vivemos. Todavia, acreditamos
piamente que haverá algo maior e muito superior a tudo o que possamos construir
neste mundo: "Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo
presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada"
(Rm. 8.18). Louvado Seja o Senhor!
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