Por Fernando Castilho, do JC Negócios, Especial para o Blog de Jamildo.
Quando a Democracia entra em crise, ensinam os compêndios de ciências
sociais, é a política quem resolve. Bom, era assim antes do Facebook e
das chamadas mídias sociais. Isso não quer dizer que a internet tenha
revogado a Constituição. Mas, como diz o slogan de uma grande companhia
de logística, será preciso "entender para atender" o que as pessoas nas
ruas estão pedindo.
Não vai ser fácil, não será rápido e não há garantias de que isso vai
acontecer. Porque, de novo, à luz da nova história escrita em tempo real
a partir de eventos de massa convocados pelas mídias sociais, não
podemos comparar o Brasil, uma jovem democracia, com as ditaduras do
oriente médio onde a partir de cliques de Iphones ruíram governos e
assentaram-se outros que ainda capengam para se afirmar.
E isso explica a dificuldade da presidente Dilma Rousseff em entender o
processo. Não apenas ela, mas toda a classe política e até mesmo a
mídia que sem saber como cobrir esse evento. Primeiro mostra a
quebradeira de um pequeno grupo de vândalos e esquecem as multidões, o
que acaba ajudando a que outros grupos se sintam estimulados a, também,
criar um “ataque” para que isso entre no ar ao vivo. O que,
inadvertidamente, ajuda a fortalecer o discurso de que a classe média
deve tirar seus filhos das ruas.
A leitura do discurso da presidente indica isso claramente. Em lugar de
reconhecer a total incapacidade de seus serviços de informação de
detectar o caldo social que está começando a ferver e da completa
inutilidade das sondagens dos institutos de pesquisas que lhe davam (até
três semanas atrás) índices de aprovação de mais de 75%, ela seguiu o
roteiro: de primeira, advertir que não tolerará a violência. Depois,
anunciar um pacote de medidas e, finalmente, convocar uma série de
reuniões com prefeitos e governadores. Sim, ela também anunciou estar
disposta a conversar com os líderes do movimento.
Começando pelo fim: que líderes? Por acaso ela não sabe que (novamente)
à luz da história primeiro o povo se une numa causa e só depois os
líderes passam conduzir o processo? E como está claro que ainda não
existem líderes ela não pode ter interlocução?
Depois, conversar com quem senhora Rousseff? Pelo que está nos cartazes
são esses líderes que a sociedade nas ruas está dizendo que não mais os
representam. Assim, debater e encaminhar ações pode, ao contrário,
reascender o movimento quando se anunciarem hora e lugar dos encontros.
Depois, tentar resolver as demandas postas em cartazes exigirá muito
mais dela em termos de decisão política do que os instrumentos que
dispõe.
Essa dificuldade da classe política em perceber o que acontece vem do
fato dela acreditar, vendo do ponto de vista da política, que a política
poderá resolver o conflito. Pode, mas noutro ambiente. Hoje, é
insuficiente. Até porque ela tende a querer resolver rápido e, na
conversa, cooptar com os líderes. O que vai levar tempo porque, sequer,
tem interlocutores.
Não vai dar. Porque isso depois do advento do Facebook é muito
perigoso. Tende a ser apresentado ou entendido como a tentativa
desonesta de cooptar o movimento e capitalizar isso eleitoralmente já em
2014. Exatamente por ainda ser muito difuso vai exigir tempo para que
as teses sejam depuradas.
Mas, isso não quer dizer que vai ficar assim. Pelo fato de, ainda, ser
difuso isso não quer dizer que ja não se possa relacionar ou até
hierarquizar as demandas.
Isso talvez explique porque a chefe da nação, surpreendida pelo
tsunami, tenha dado a ordem aos assessores para ver o que o povo pedia. E
que e como a rainha Maria Antonieta do "Se o povo não tem pão, que coma
brioches”, tenha oferecido um pacote de medidas quando os assessores
lhe disseram que o povo nas ruas pedia pão.
A presidente errou ainda ao tentar jogar para governadores e prefeitos,
a responsabilidade de tentar atender essas demandas difusas incorrendo
num risco ainda mais grave.
Os governadores vão falar o que? A pauta deles é, exatamente, o que a
sociedade está dizendo ser contra nas ruas. E eles tendem a achar que
tendo mais dinheiro da União (numa atitude de puro oportunismo) poderão
resolver. Como se a crise mostrada nos estados não fosse resultado da
política que eles vêm fazendo nas suas gestões e da presidente da
República.
O risco dessa solução é quanto o fator Facebook pode representar como
ferramenta de poder destrutivo, mil vezes maior que as bombas de efeito
moral distribuídas pela policia militar. Em resumo, a invenção de Mark
Zuckerberg pode ser o detonador de uma nova onda de protestos se a
classe média entender que os governadores estão tentando manipulá-los. O
que pode potencializar a força de mobilização dessa massa nas redes.
Vendo a coisa pelo cacoete da reportagem de economia talvez a classe
política precise entender que “esfriar” o mercado tentando identificar
os possíveis líderes e cooptá-los mirando, já, as próximas eleições não
seja uma boa ideia. A bem da verdade, isso tem chances muito diminutas
de dar certo e muitas chances de dar errado.
Mas, não podemos visualizar o que as ruas pedem? Podemos. Talvez até já
possamos relaciona-los: Fim da corrupção, rejeição da PEC 37,
redirecionamento de maior volume de recursos para a saúde, reorganização
da divisão dos recursos da educação, melhor gestão dos investimentos
para o transporte de massa contemplando, inclusive, a tese do passe
livre e uma ação de transparência cuja vigilância dos desvios possam ser
identificados e punidos.
Mas, cabe a pergunta: com esse Congresso, presidido por Renan
Calheiros, essa leva de governadores e esses prefeitos eleitos com bases
aliadas que, sequer, podem ser listadas, ela pode implementar isso
politicamente?
Para ser realista, neste momento e tentando usar os instrumentos que a
presidente da República dispõe, as chances são diminutas. O que abre a
perspectiva de que vamos continuar vendo essa onda de protestos até que a
pauta se afunile e novas lideranças sejam reconhecidas. Lideranças que,
inclusive, podem até já estar dentro do universo político ou fora dele
na Oposição. Mas isso vai levar um tempo.
E para quem se assusta com tanta pauta e tanta gente falando ao mesmo
tempo, sempre é bom lembrar que quando Jarbas Vasconcelos defendeu a
convocação de uma Constituinte ninguém levou a sério. Não tinha ainda o
chamado caldo social. E que Lindemberg Farias só ficou conhecido como o
líder do movimento Fora Color quando o país já pedia isso nas ruas e a
imprensa localizava quem perpetrava as compras da Casa da Dinda de forma
que ao Congresso só coube fez a parte legal.
Não se pense que a solução dessa nossa crise não será pela política.
Será. Mas noutras bases. No fundo, o que se pode dizer é que o custo das
passeatas nas ruas ainda não foi precificado. Estamos naquela sala de
pregões onde todos falam compram e vendem numa gritaria que, aos leigos,
parece inteligível.
O problema é que ainda não podemos identificar quem dá as ordens de
compra e as de venda. O que nos impede de saber quem, ao final do
pregão, vai levar os lucros embora até já seja possível visualizar quem
vai ficar no prejuízo.
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